terça-feira, 17 de março de 2015

A corrupção na Ditadura Militar: O caso Panair

Propaganda da Panair do Brasil.

A Ditadura Militar havia sido instaurada menos de um ano antes, quando a data 10 de fevereiro de 1965 entrou para a História da aviação brasileira. Apesar de atualmente poucos conhecerem o episódio, o caso Panair foi um dos mais rumorosos e longos do direito empresarial brasileiro e ainda hoje segue na Justiça, longe dos olhos do público.

A Panair do Brasil S.A. era uma empresa brasileira líder em linhas aéreas internacionais. Ela era conhecida por sua robustez e eficiência e exatamente pelo bom serviço prestado era uma gigante no Brasil que realizava vôos para a Europa, África e Oriente Médio.

Inesperadamente, no dia 10 de fevereiro, sem qualquer aviso prévio, a concessão de vôos da Panair fora cassada. Por meio de um despacho assinado pelo marechal Castello Branco e pelo ministro da Aeronáutica, o brigadeiro Eduardo Gomes, a determinação foi recebida por telegrama horas antes da decolagem de um voo internacional para Frankfurt, Alemanha.

Sem qualquer interdição anterior, intervenção na empresa para checagem de irregularidades em suas operações e investigações, simplesmente todos os vôos foram cancelados. Imediatamente a diretoria e os funcionários da empresa entraram em pânico, pois diversas rotas internacionais já estavam traçadas e com bilhetes expedidos para os dias seguintes.

Àquela noite, tropas do Exército invadiram os hangares da Panair e a Varig, propriedade de Ruben Berta, aliado do governo militar, imediatamente assumiu todas as  concessões de linhas aéreas e propriedades da concorrente. E conseguiu fazer isto sem atrasar nenhum voo. A Varig, que nunca havia realizado as rotas feitas pela Panair, já possuía pilotos preparados e treinados para cumprir as linhas da Europa, África e Oriente Médio.

A transferência das linhas da Panair deram à Varig o monopólio dos vôos aéreos internacionais no Brasil.

Ao mesmo tempo que esse cenário confuso se desenrolava, a diretoria da Panair se reunia às pressas com advogados para tentar reverter a decisão, uma vez que ela contrariava as cláusulas do contrato de concessão de linhas aéreas celebrado com o Ministério da Aeronáutica.

A partir dessa reunião, a Panair resolveu impetrar um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal, reivindicando o direito de voltar às operações normais.

Contudo, o Supremo encontrava-se em recesso e a saída fora entrar com um pedido de concordata para tentar resguardar o patrimônio da empresa até a resolução do problema.

Nesse meio tempo, com o caso ganhando visibilidade na época, o governo resolveu ir a público explicar a decisão. Segundo ele, a empresa estava deteriorada financeiramente e não teria condições de se reerguer. O presidente da empresa respondeu prontamente que todas as contas da Panair se encontravam em dia, inclusive a folha de funcionários.

Além disso, a dívida da empresa junto ao Banco do Brasil representava quatro de 23 bilhões contraídos pelas 4 grandes empresas nacionais de aviação. Nesse sentido, os débitos da Panair não representavam nem 1/5 da dívida total das empresas de aviação.

Essa dívida de 23 bilhões correspondia ao pacote de investimento concedido para a aviação brasileira em 1961. Na época, o Congresso aprovara o débito para o reequipamento das empresas, visando alavancar o setor de aviação, que andava fraco.

Apesar do conhecimento do pacote de investimento, o governo não voltou atrás na decisão e declarou a Panair falida. Sem qualquer explicação aprofundada, o magistrado resolveu promover a eutanásia da segunda maior empresa brasileira de aviação, sem qualquer ação trabalhista contra a Panair na Justiça ou dívidas exigíveis vencidas.

Ao mesmo tempo em que a empresa se via cada vez mais sem saída, o Banco do Brasil exigiu, então, os títulos da companhia, sem sequer questionar a situação das outras empresas de aviação que também haviam contraído dívidas, algumas das quais com débitos superiores ao da Panair.

Na outra ponta de todo o processo estavam os 5 mil funcionários da Panair, espalhados por 4 continentes, desempregados da noite para o dia, literalmente.

O caso ficou mundialmente conhecido, pois além de todo atropelo do governo e da Justiça, não houve qualquer investigação para saber se a companhia tinha meios de sanar a dívida. 

E ela possuía tais meios. A Panair era dona da Companhia Eletromecânica Celma, o mais avançado parque de revisão de motores a pistão e a jato do Hemisfério Sul, era dona do Departamento de Comunicação e Proteção ao Voo, a única infra de telecomunicações aeronáuticas do Brasil e, por fim, os donos da Panair mantinham boas relações e prestígio financeiro com algumas instituições financeiras.

O estranho era uma empresa tão robusta ter ido à bancarrota da noite para o dia. Mas não eram só essas informações que deixavam todo o caso estranho. A raiz do problema talvez estivesse justamente no fato dos donos da Panair terem sido muito próximos ao ex-presidente Juscelino Kubitschek e pretenderem financiar sua candidatura nas eleições que os militares prometiam que ocorreriam.

Fora esse dado importante, Simonsen — dono da TV Excelsior — e Rocha Miranda, donos da companhia falida, também apoiaram a candidatura de João Goulart antes do golpe de 1964. Tudo levava a crer que estava ocorrendo o início da perseguição àqueles que não eram pró-regime militar.

Paralelamente, foi transferida gratuitamente a maior parte dos contratos de aluguéis da Panair à Varig, a empresa que misteriosamente parecia já saber de tudo o que estava por vir.

Uma a uma, as empresas do grupo da Panair começaram a sofrer intervenções e serem sucateadas. O desemprego em massa da companhia ocasionou sérios problemas sociais. Ao todo, os funcionários do grupo Panair representavam uma poderosa força de trabalho, sendo responsáveis por 0,2% de toda a força de trabalho qualificada no país em 1960. 

Apenas em dezembro de 1984, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu que a falência da Panair foi uma fraude. A União Federal foi condenada e a Panair e seus funcionários lutam até hoje por indenizações cabíveis contra a União.

Num país pobre e quase desindustrializado, a existência da Panair do Brasil S.A. fora, outrora, motivo de orgulho nacional, até que por ação escusas dos militares foi inteiramente desmontada.


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